13 dezembro, 2019

A propósito das eleições britânicas ou o perigo da nossa auto-manipulação



Surreal e surpreendente são os termos que me ocorrem ao saber o resultado das eleições legislativas no Reino Unido. Boris Johnson, líder conservador e acérrimo defensor do Brexit, obteve nas urnas uma vitória esmagadora para o seu partido e uma maioria absoluta que só encontra eco nos idos de Margaret Tatcher. No pólo oposto Jeremyn Corbyn afundou os Trabalhistas, remetendo o partido à irrelevância dos meados de 30 do século passado. O Brexit tem o caminho aberto para avançar, sem dúvidas ou delongas.

Nunca acreditei neste desfecho, sempre pensei que haveria um novo referendo, embora defenda a ilegitimidade de consultar sucessivamente os cidadãos até se obter o resultado desejado. O vencedor tem o direito a reclamar a sua vitória. Mas este era um caso especial devido às minhas relações afectivas com o país e por acreditar, apesar de todos os percalços, na necessidade de um projecto europeu, inconcebível sem a participação do RU. As minhas crenças políticas são aqui irrelevantes pois acredito que a questão a que decidi chamar auto-manipulação é transversal a toda a sociedade.

A informação a que temos acesso é infinita bem como o número de fontes que a disponibiliza. Permite-nos um conhecimento amplo, mas obriga-nos a um exercício de escolha do que acompanhar, ler, ouvir e acreditar. Após o choque do resultado do referendo que conduziu ao Brexit, em junho de 2016, num processo auto-censório comecei a seleccionar a informação a que dar crédito. Fui acompanhando toda a novela, através de órgãos de comunicação assumidamente anti-Brexit, Guardian, Independent, New York Times. Aclamei o Conselho Europeu quando ia dificultando o desenrolar do processo. O meu site musical, o NME, mostrava vídeos de festivais de Verão em que Jeremy Corbyn era aplaudido pelos jovens como um herói. Li e acompanhei as manifestações de artistas de várias áreas que consideravam o processo indecente e inaceitável. 

Mais, fui cortando conteúdos e diminuindo a informação que me chegava sobre o que não queria saber, tanto de amigos, como daqueles com quem não lido, mas leio, como colunistas e artigos de fundo, acabando sempre por seleccionar as opiniões anti-Brexit. Os memes e as piadas sobre o Boris Johnson ou a Theresa May faziam-me rir. Theresa May não era mais que uma birrenta teimosa e Boris Johnson um gajo apalhaçado e os apoiantes do Brexit aqueles ingleses que passam a vida entre os pubs e o futebol ou os idosos sem noção da realidade do fim do Império. 

Convenci-me que as vozes que pediam um segundo referendo e condenavam o Brexit representavam agora o sentimento geral da população do RU, o que se reflectiria nas eleições. Ignorei o outro lado, recusei-o, desconsiderei-o, apaguei-o do meu cérebro até o considerar inexistente. Manipulei-me para acreditar no que queria acreditar. Acreditei não na realidade, mas no que escolhi acreditar. Atenção, não falo no que escolhi defender, mas no que escolhi acreditar.

Quando duas semanas atrás comecei a ver sondagens que davam a vitória aos Conservadores agarrei-me aos que afirmavam que as sondagens eleitorais no RU sempre foram incorrectas e que o resultado seria equilibrado e naturalmente penderia para o lado dos partidos que punham o Brexit em causa. Enganei-me.

Por isso serei provavelmente surpreendido quando Trump, o presidente primitivo, for reeleito nos Estados Unidos.